Eu
poderia fazer comentários sobre esta tese de doutorado do professor Gilson
Vieira Monteiro, mas depois refleti e pensei que é melhor você, meu caro
leitor, tirar suas próprias conclusões e passar a fazer uma nova leitura sobre
os veículos de comunicação e a forma com que são divulgadas as notícias.
Isso
ocorre de norte a sul do Brasil e mundo afora! Mas em época de eleição se
acentua. Ainda bem que hoje temos a possibilidade de, seja através das redes
sociais ou de blogs, difundir as informações que não serão jamais veiculadas
pelos veículos de comunicação porque cada pessoa torna-se um veículo de comunicação.
MONTEIRO, Gilson.
Por um clique: o desafio
das empresas jornalísticas tradicionais no mercado da informação – Um
estudo sobre o posicionamento das empresas
jornalísticas e a prática do jornalismo em redes, em Manaus. 2002. 309p. Tese
(Doutorado em Ciências da Comunicação): Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2003.
117
7.3 A mão invisível do Estado e a concorrência em
Manaus
O economista ADAM SMITH
158 (1904), na obra clássica “An inquiry into the nature
and causes of the wealth of nations
” (Uma investigação sobre a natureza e as causas da
riqueza das nações), apresenta o conceito da “mão invisível” como o último
estágio de evolução do ser humano. Na visão de SMITH, a “mão invisível” seria
capaz de levar o homem a usar a ambição e o egoísmo para criar o bem-estar
geral da comunidade.
Ao longo do tempo, de forma equivocada, os teóricos
passaram a interpretar que a “mão invisível” de SMITH era o mercado, e que esse
seria capaz de regular as relações comerciais entre as empresas, seu clientes e
a própria sociedade. De acordo com essa interpretação, a “mão invisível do
mercado” levaria as pessoas a regular as relações no ponto considerado o melhor
possível para que participasse da transação comercial. No caso do jornalismo de
Manaus, a mão invisível é do Estado (Governo e Prefeitura). E parece regular,
ainda que nada seja admitido oficialmente pelas empresas e nem pelas
assessorias de Comunicação, as relações comerciais e o próprio mercado
publicitário.
Investigar essa relação não fazia parte do objetivo
inicial deste trabalho, no entanto, ganhou importância fundamental por explicar
uma certa “apatia” em relação ao Mercado da Informação, em Manaus. Essa mão
invisível do Estado dita normas editoriais, dita a própria concorrência entre os
jornais e, possivelmente, é responsável pela letargia das empresas de mídia
tradicional no Mercado da Informação.
O “atrelamento” dos jornais de Manaus ao poder foi
revelado pelo presidente do Sindicato das Empresas de Jornais (SINEJA),
empresário GUILHERME ALUÍZIO DE OLIVEIRA SILVA
159(2002), que também é
Diretor-presidente do Jornal do Commercio, ao relatar uma fase da história do
seu jornal. Ele disse que, em 1987, o Jornal do Commercio brigava pela
liderança em vendas como Jornal A Crítica. Naquele ano, foram impostas sanções
ao jornal e às empresas da família. Diante disso, SILVA preferiu mudar o foco
da empresa jornalística: “Então, eu prefiro hoje fazer esse jornalismo
segmentado, projetando principalmente a economia do meu Estado, a estar envolvido
nisso. É muito alto o preço. É muito alto o preço”. Ele foi taxativo ao
concluir: “Eu duvido muito que um jornal que não negocia a sua
verdade, sobreviva
”(Grifo nosso).
158
SMITH, Adam. An Inquiry into the Nature
and Causes of the Wealth of Nations. London: Methuen and Co., Ltd.,
ed. Edwin Cannan, 1904.
[Online]. Disponível no endereço
eletrônico:<
http://www.econlib.org/library/Smith/smWN1.html>. Acesso: 9, Novembro, 2002; Internet.
159
SILVA, G. A . de O . Guilherme Aluízio de Oliveira Silva: depoimento:
[fev. 2002]. Entrevistador: Gilson Vieira
Monteiro. Manaus: USP, 2002. Meia fita cassete
(30min), 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao projeto “Por um
clique...”.
MONTEIRO, Gilson.
A afirmação de SILVA é corroborada pelos números
revelados pelo Chefe da Agência de Comunicação do Governo do Amazonas (Agecom),
jornalista JOSÉ CLÁUDIO MARTINS BARBOZA 160 (2002): “Do orçamento de R$ 30 milhões, de 2001, mais de 60% (sessenta
por cento) foram destinados ao pagamento das empresas de mídia, aí incluídas as
de out-doors, sendo que
a televisão ficou com a maior fatia das verbas”.
A secretária municipal de Comunicação Social,
jornalista MÔNICA ELIZABETH SANTAELLA DA FONSECA 161(2002), revela, também, números esclarecedores. “Nosso orçamento do ano
passado foi de R$ 4 milhões. Desses, 89% (oitenta e nove por cento) foram
destinados ao pagamento das empresas de comunicação”. Números como esses talvez
reforcem a afirmação do presidente do SINEJA de que seria impossível uma
empresa jornalística sobreviver em Manaus sem o apoio do poder estatal.
BARBOZA explicou que o orçamento de 2001 foi
excepcional em função de ser um ano eleitoral. Ele detalhou como o Estado
procede para ter um orçamento maior em ano eleitoral:
“Por que é excepcional? Eu vou te explicar porque
que é excepcional R$ 30
milhões. Porque se o Orçamento de 2001 não fosse R$
30 milhões, o
Orçamento de 2002 não chegaria nem a R$ 5 milhões.
Porque para você fazer
o orçamento de 2002 quando há eleições, tem que ser
a média do último ano.
A legislação não permite, por exemplo, que você
coloque um Orçamento que
seja, por exemplo, R$ 30 milhões, agora para 2002”.
Ele revelou que esse é um artifício para aumentar a
média de gastos com propaganda em anos anteriores às eleições. Com isso, o
Estado faz um arranjo para adequar-se à legislação eleitoral. Além de confirmar
que se trata de um artifício, BARBOZA diz o quanto, do orçamento, é gasto com a
mídia (ver Anexo de 5162):
“Exatamente, um artifício para aumentar a média, o
que seria hoje por volta
de 9 a 10 milhões. Essa é a verba, vamos dizer,
real de mídia do Governo, 10
milhões ao ano, 30 milhões foi excepcionalidade.
Agora é dentro daquilo que o
Jefferson te falou, 60, 62, 68% dessa verba se
destina aos veículos de mídia,
com a televisão levando um percentual maior, isso a
gente percebe. É uma
160
BARBOZA, J. C. M. José Cláudio
Martins Barbosa. depoimento: [ago. 2002]. Entrevistador: Gilson
Vieira Monteiro.
Manaus: USP, 2002. Meia fita cassete (30min), 3 ¾
pps, estéreo. Entrevista concedida ao projeto “Por um clique...”.
161
FONSECA, M. E. S. da. Mônica Elizabeth Santaella da
Fonseca: depoimento: [ago. 2002]. Entrevistador: Gilson
Vieira Monteiro. Manaus: USP, 2002. Meia fita
cassete (30min), 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao projeto
“Por um clique...”.
162
O Anexo 5 apresenta uma “fotografia” detalhada dos
gastos do Governo do Estado do Amazonas com a mídia, em 2001.
MONTEIRO, Gilson.
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estudo sobre o posicionamento das empresas
jornalísticas e a prática do jornalismo em redes, em Manaus. 2002. 309p. Tese
(Doutorado em Ciências da Comunicação): Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2003.
119
coisa que alterou nos últimos anos. A mídia
impressa tinha uma maior fatia
desse bolo. A gente percebe que nos últimos anos
houve uma alteração”.
BARBOZA assegura que o comportamento do mercado
editorial, em Manaus, tem forte influência da mão do Estado. Ele admite até
certa influência na linha editorial dos jornais:
“Eu diria que há negociações, que não são de hoje.
Eu estou te falando
isso como jornalista que já esteve dentro das
redações aí, em alguns
veículos locais, e que também já atua há algum
tempo nessa área de
assessoria governamental. Eu diria que há
negociações onde a linha
editorial, eu não te diria assim, vai tornar a
linha editorial favorável ao
Governo, vamos supor, mas onde você possa colocar o
teu material
favorável. Deixa-me ver se consigo me fazer
entender. Quer dizer, eu
anuncio no jornal X, por exemplo, então, quer
dizer, esse jornal X vai, tem
a linha dele, lá e tudo, mas ele vai priorizar, dar
uma prioridade para
aquele material que eu produzi. Quer dizer, a minha
produção vai ter
acesso, ele vai garantir acesso a esse material”.
A secretária municipal de Comunicação Social,
jornalista MÔNICA SANTAELLA
ELIZABETH DA FONSECA, revela uma opinião semelhante
à de BARBOZA, quando se refere ao relacionamento da empresa jornalística com o
poder público e as influências desse poder na linha editorial do jornal. Para
ela, vigora uma espécie de “acordo branco”:
“Eu acho que acaba sendo um acordo. É aquela coisa
assim: se você não
paga, se você está devendo o jornal, ele acaba dificultando
o espaço para a
tua matéria. Ele não vai dizer oficialmente: olha,
eu não vou publicar porque
vocês não estão me pagando. Mas você começa a ver
que eles já não dão tanta
prioridade para a tua matéria. Tua matéria sai meio
que em segundo plano. A
gente observa isso no dia-a-dia”.
Para ela, quanto mais tempo se demora a pagar as
empresas, mais tempo as matérias da
secretaria vão ficando para trás. Chegam até a não
serem publicadas se a demora for longa:
“Isso. Se demorar a pagar vai ficando. É. Até não
sair. Só que isso não é uma coisa que a gente pode chamar de oficial. Isso é
uma coisa que a gente nota no dia-a-dia. É muito engraçado, quando a gente sai
com uma matéria como manchete os próprios repórteres dizem assim:´pagaram o
jornal?´ (Um sorriso, quase uma gargalhada).
Não é uma coisa que as pessoas fazem mesmo assim:
pagaram. Porque a impressão que dá é essa. Mas eu acho que isso funciona não só
com o poder público. Eu acho assim, eu já trabalhei em jornal, e quando a gente
tem assim, uma matéria que vai ofender ou vai afetar algum anunciante de
potencial do jornal, a gente sempre diz que o
Departamento Comercial acaba mandando na redação”.
MONTEIRO, Gilson.
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estudo sobre o posicionamento das empresas
jornalísticas e a prática do jornalismo em redes, em Manaus. 2002. 309p. Tese
(Doutorado em Ciências da Comunicação): Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2003.
120
BARBOZA diz que a relação das empresas
jornalísticas com o poder público, em Manaus,
é uma “relação de amor e ódio”: “é uma relação que eu diria, de amor e ódio
entre as duas partes, porque isso não é cumprido, isso não é escrito, então,
não é cumprido ao pé-da-letra”.
Ele admite que esse tipo de prática abre espaços
para empresas inescrupulosas “forçarem a mão” na linha editorial a fim de puxar
verbas do Estado ou até mesmo de outras empresas anunciantes. A isso, ele
denominou de “prática chateaubriana”. Mas faz questão de explicar: “E eu te
diria que é o seguinte, que isso não é um “privilégio”, entre aspas, do
Amazonas. Acho, acho, não, tenho certeza que há isso em outros locais, de
outras maneiras, em outros níveis”.
E explica mais:
“E por que é que eu te digo que isso ocorre de
outras formas? Porque você
mesmo estando aqui, você recebe propostas de
veículos instalados em São
Paulo, ou no Rio de Janeiro. Grandes redes. Te
propondo, você anuncia ou faz
essa campanha e eu, em troca, vou te dar isso.
Entendeu, quer dizer, então, é
uma questão nacional”.
Segundo BARBOZA, essa questão se deve ao fato de a
atividade jornalística ser muito
complexa, pois a empresa jornalística, além dos
seus leitores, tem como clientes o comércio, a indústria e os serviços.
Paralelo a isso, lida com o poder público. Logo, é obrigada a se equilibrar entre
quatro pólos distintos, afora o público leitor:
“Quatro pólos. Então, você imagina concentrar tudo
isso numa empresa e ter
que administrar isso. Ora, no Brasil, as empresas
de Comunicação, por uma
série de razões, aí acho que tem muito a ver com
essa questão de família,
empresas que não se profissionalizam, empresas que
não crescem no mercado.
Quer dizer, as empresas são comercialmente frágeis
e dependentes do poder
público. Isso é uma coisa que não acontece na
economia norte-americana
quando as empresas de Comunicação são fortes, são
poderosas. Então, aqui
elas ficam muito à mercê do poder público”.
Ele faz uma análise do comportamento do mercado em
Manaus e considera que as
empresas jornalísticas da cidade não têm interesse
em aumentar as vendas avulsas, com isso tornam corriqueira a dependência do
poder público:
“Você vê a diferença. Aí você pega aqui do nosso
caso, no caso do Amazonas.
Vou pegar o Amazonas, uma capital que é uma
cidade-estado. Em Manaus hoje
vamos trabalhar, tranqüilamente eu posso te falar
que Manaus hoje caminha para
2 milhões de habitantes, pode trabalhar com esse
universo sem receio, 1,8 milhão,
MONTEIRO, Gilson.
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jornalísticas e a prática do jornalismo em redes, em Manaus. 2002. 309p. Tese
(Doutorado em Ciências da Comunicação): Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2003.
121
caminhando para 2 milhões. Aí você pega jornais,
você tem quatro jornais
diários. Esses jornais não conseguem vender,
juntos, 50 mil exemplares. É uma
venda muito pequena. Eu sempre faço um cálculo, eu
digo, olha, vamos supor,
trabalhar com um universo de 2 milhões de
habitantes, tira 1,5 mil, sobram 500
mil. Mas 500 mil é muita gente, você tira 300,
sobram 200 mil. Duzentos mil
ainda é muita gente, né, tira 100 mil, ficam 100
mil. Tira 50 mil, ficam 50 mil. Não
consegue se vender 50 mil exemplares. Por que não
se consegue vender? Aí essas
questões é que eu acho que as empresas não
trabalham isso, não há interesse”.
A se levar em a conta a análise do Chefe da Agecom,
Manaus, ainda que se tire,
hipoteticamente, dos 2 milhões de habitantes, 90%
de pessoas que não tenham condições de ler um jornal, sobrariam 200 mil
leitores em potencial. A questão é saber o porque de os jornais não atingiram
esse número de leitores. BARBOZA tem uma explicação para o fato:
“Eu diria que os jornais de Manaus são altamente
pretensiosos. Eles não são
jornais nem municipais e querem ser jornais
internacionais. Então, não têm
vínculo nenhum com isso aqui. Quer dizer, você um
jornal, se você quer uma,
se você é empresário, executivo, se você tem
aplicações no mercado
financeiro, aonde é que você vai procurar? Hoje,
com a Internet, você tem
acesso imediato. Ou então, se você quiser manusear
esse tipo de informação
você vai na Gazeta Mercantil. Portanto, aos jornais
locais, não cabe muito
fazer, vamos dizer, uma pseudo-economia, que é o
que se faz. Não se tem. Aí o
cara faz assim: dá manchete internacional. Às
vezes, eu acho, que Gilson, aí é
uma crítica a nós mesmos, jornalistas, às vezes o
jornalista faz jornal para si e
não pensando no leitor”.
Em pesquisa realizada para o mestrado, MONTEIRO 163(1998) encontrou alguns
indicadores que reforçam a idéia de que os jornais,
principalmente de Manaus, são pretensiosos. São empresas que não possuem foco,
consideram-se capazes de atingir às classes, A, B, C, D e E. Não têm
posicionamento. E, hoje em dia, com a Internet, sem posicionamento, não se
vende jornal nem se cria vínculo com o leitor.
O chefe da Agecom argumenta:
“Não cria vínculo, eu vou comprar para quê? Qual a
relação que esse
jornal tem, qual a empatia. Eu, por exemplo,
profissional da área, eu
tenho que ter jornais, porque eu vivo disso. Mas,
por exemplo, a minha
família passa perfeitamente bem, não tem nenhum
trauma, se não tiver
nenhum jornal lá em casa. As meninas e a minha
mulher vão para o
163
MONTEIRO, Gilson. O jornal de
domingo no mercado brasileiro de jornais: um estudo
exploratório das
estratégias genéricas de marketing utilizadas por
empresas da indústria jornalística brasileira. 1998. 234 p.
Dissertação (Mestrado em Administração):Faculdade
de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade
de São Paulo, 1998.
MONTEIRO, Gilson.
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jornalísticas e a prática do jornalismo em redes, em Manaus. 2002. 309p. Tese
(Doutorado em Ciências da Comunicação): Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2003.
122
computado. Agora eu, como sou profissional, compro,
o que é terrível
constatar isso assim tão próximo da gente”.
Ao que tudo indica, o fato de as verbas públicas
praticamente determinarem o faturamento das empresas jornalísticas de Manaus
faz com que a visão de marketing, o
posicionamento, a concorrência propriamente dita
não exista. A secretária municipal de
Comunicação Social, MÔNICA FONSECA, acredita que,
de certo modo, o poder público sustenta os jornais, as rádios e as TVs em
Manaus. Além do mais, a Semcom, por exemplo, acaba investindo no jornal ou em
qualquer dos veículos que tiver mais ouvintes, mais leitores.
Isso, no entanto, não deixa os veículos acomodados
na “luta” por verbas públicas. Na visão da secretária, “eles” sempre querem
mais:
“É. Claro que eles sempre querem mais, independente
do tamanho da fatia do
bolo que eles têm eles sempre querem mais. Natural,
isso é uma coisa do
mercado. Mas você acaba investindo nos maiores, nos
maiores em termos de
circulação mesmo. De circulação ou de audiência. É
inegável que comercial
veiculado no Jornal Nacional vai ser visto por
muito mais gente do que um
comercial que eu passe de manhã na TV Rio Negro,
entendeu. Não tem como.
O dono da TV Rio Negro sabe disso. Mas só que
normalmente o poder público
como tem a questão justamente de ser público, é
difícil ele excluir algum
veículo do seu bolo”.
FONSECA revela que essa exclusão só ocorre por
pressões políticas. De forma mais
clara: se um dos veículos passa a atacar o
prefeito, no caso, a ordem é fechar as torneiras das verbas públicas municipais
para aquele veículo. O corte, porém, não é definitivo: “corta, por um tempo, depois
volta, ou a gente demora a pagar. Prioriza os que são parceiros. Mas, normalmente,
os maiores veículos de comunicação não criam problemas políticos”.
Os problemas criados por veículos de comunicação
menores decorrem do fato de, na
maioria das vezes, na visão da secretária, eles se
abrigarem sob a sombra de um político ou de outro. Com isso, uma hora defendem
a linha de pensamento que converge com a da administração municipal, outra hora
não defendem. O fluxo das entradas ou não de verbas municipais no faturamento
dessas empresas depende dessa oscilação. Essa prática, que o chefe da Agecom
denominou de chateaubriana, parece se repetir de Norte a Sul do País. Parece
ter se enraizado no jornalismo brasileiro e, talvez, haja perigo de se
transferir para os negócios no Mercado da Comunicação. Para FONSECA, essa é uma
questão cultural:
“Porque eu acho que a questão é cultural e a gente
vê que a prática aqui é
maior, mas que ela existe também em outras escalas,
pra lá. Ninguém vai
MONTEIRO, Gilson.
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estudo sobre o posicionamento das empresas
jornalísticas e a prática do jornalismo em redes, em Manaus. 2002. 309p. Tese
(Doutorado em Ciências da Comunicação): Escola de Comunicações
e Artes, Universidade de São Paulo, 2003.
123
contra, na Globo, a uma determinação do Roberto
Marinho! Ele é o dono da
empresa, entendeu! Então, o que ele decidir é lei:
eu quero eleger esse cara
presidente, eu quero destruir aquele ali. Eles vão
fazer isso”.
No caso do mercado tradicional de Manaus, ficou
evidente que há um arranjo comercial,
um acordo, para a divisão do “bolo” da verba
oficial. Um exame do Relatório das verbas
consolidadas da Agecom (ver Anexo 5) é esclarecedor. Dos R$ 30 milhões, a Televisão
leva 35,9065%, os jornais ficam com 14,9421%, as rádios com 3,6831%, as
empresas de out-door, com
2,8653%, a mídia itinerante com 0,6917% e as revistas com 2,7352%, o que dá um
total de 60,8240% dos 30 milhões só para a mídia. Visto de outra forma,
significa que, no período de abril de 2001 a junho de 2002, dos R$ 30 milhões,
a mídia levou exatos R$ 18.247,20 milhões.
A segunda página do Anexo 5 (ver Anexo 5) é mais reveladora, pois detalha, por
empresas, quem recebeu verbas do Estado no período.
Entre os jornais locais, por exemplo, quem mais recebeu verbas foi o Amazonas
em Tempo, com 4,6368% de participação no bolo dos R$ 30 milhões. Como se vê na
segunda página do Anexo 5, o jornal A
Crítica não aparece como participante do bolo publicitário. Informações
extra-oficiais, que são reveladas a título de ilustração, pois não puderam ser
comprovadas, dão conta que qualquer verba publicitária do Governo do Estado
destinada ao jornal A Crítica entra na empresa através da TV A Crítica.
Os diretores do A Crítica negam que as verbas
publicitárias do Governo do Estado tenham qualquer peso no faturamento do
jornal. Oficialmente, ninguém no Governo do Estado fala sobre o assunto. Embora
não sirva como prova, um exame no
Anexo 5 dá uma
pista. A Rede Amazônica de Televisão, que retransmite a programação da Rede
Globo de Televisão e é líder em audiência, recebeu 11,0904% dos R$ 30 milhões.
A Rede Calderaro de Comunicação, cuja emissora, a TV a Crítica, é afiliada do
Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), ficou com 11,7279%. Em cifras, a Rede Amazônica recebeu R$ 3.327.114,70 e a Rede
Calderaro recebeu R$ 3.518.359,18.
Pode-se inferir que, após a divisão do bolo, quando
tudo fica acertado, existe a
possibilidade de as secretarias, tanto estadual,
quando municipal, interferirem na linha editorial dos jornais. No entanto, essa
interferência jamais é admitida oficialmente. A própria secretária MÔNICA
FONSECA
164 diz que se
trata, no máximo, de “uma interferência branca”:
“É branca. É muito assim de camaradagem. Por
exemplo, se a gente está com
uma relação legal com o veículo, a gente anuncia
normalmente nele, paga
normalmente, paga bem, vem o repórter e quer fazer
uma matéria que não vai
ser boa. Mesmo que a gente coloque o lado, vamos
que a matéria seja falsa,
seja uma denúncia que não seja verdadeira, mas que
mesmo que ela vá para o
jornal, a gente mostrando a verdade das coisas ela
não vai ser boa, ela vai
respingar, a gente às vezes conversa. Pôxa, eu acho
que isso aí não é legal,
não tem outra matéria para por no lugar? Isso acaba
acontecendo. Mas não
impor. Dizer não, eu não quero que essa matéria
saia. Não existe isso não.
Pelo menos aqui, sabe, o Paulo principalmente, por
ter trabalhado, por ter
uma vivência muito grande em redação, o Paulo
também nunca adotou essa
prática de pedir: não, espera aí, essa matéria não
pode sair. Não existe isso de
pegar o telefone e ligar para o editor e censurar a
matéria”.
Ela admite, no entanto, que esse tipo de prática
ocorre muito mais pela postura de quem
gerencia as verbas públicas. FONSECA assegura que,
dificilmente há interferência na linha editorial do jornal para “tirar”
matérias que não são de interesse da prefeitura:
“Agora, o que a gente faz mais é pedir para uma boa
matéria sair. Por
exemplo, a gente tem um material, o secretário de
Saúde foi em Brasília
representar o prefeito, recebeu homenagem do
ministro da Saúde por causa
dos projetos que têm aqui, etc. E aí,
particularmente, a gente quer que aquela
matéria saia. Então, a gente tenta pôr: dá para
você dar um destaquezinho,
tem uma matéria assim, que a gente acha que seja
importante para a
administração, dá para dar um destaquezinho nessa
matéria?”
A jornalista não considera que esse tipo de prática
possa ser condenado do ponto de vista da ética profissional:
“Não é pecado porque é o papel até da assessora.
Assessor qualquer,
independentemente do poder financeiro faz. Essa
prática é mais comum do que você
pedir para tirar uma matéria. A gente pede só
quando é um caso muito sério, uma
coisa que a gente realmente acha que vai afetar. A
gente tenta responder tudo, a
não ser que a gente ache que seja uma coisa que vai
mesmo, sabe, que não é legal
mesmo, que vai afetar mesmo, muito negativamente, e
se a gente está tendo essa
relação legal, de parceria com o veículo, às vezes,
a gente acaba fazendo, mas é
muito difícil, aqui, no nosso caso aqui, na nossa
administração aqui, da Semcom,
hoje. Mas é uma prática que acontece muito sim”.
Essa relação de “camaradagem” entre o profissional
que trabalha como Secretário ou Chefe de Comunicação, evidentemente, torna-se
mais camarada quando o pagamento das verbas está em dia.
Ainda assim, de acordo com FONSECA, as empresas
jornalísticas sempre colaboram, muito embora não deixe de admitir o poder
financeiro como fator preponderante nessa relação:
“Eu acho que a gente não tem como: é óbvio que o
poder financeiro manda.
Eu acho que você segura as coisas na camaradagem
até um limite. Eu acho assim, a gente tem uma relação muito boa, até com dono
de jornal se conversa, se pede para os caras segurarem. Quando a gente ficou
aqui um tempão sem licitação a gente não tinha como fazer nada. Legalmente a
gente não podia pagar ninguém. Só que aconteceu um caso, a primeira fase da vacinação,
a gente não fez publicidade, porque não tinha como fazer, e pela primeira vez a
prefeitura não conseguiu atingir a meta a que ela tinha se
proposto. E recebeu críticas da SUSAM 165, recebeu críticas do Ministério da
Saúde. Só acabou atingindo a meta porque eles
ficaram mais 15 dias
vacinando com os médicos da família de casa em
casa. Mas, não conseguiu
atingir. E foi a primeira vez que isso aconteceu
depois de muitos anos. Por
quê? Porque não teve uma propaganda. Porque queira
ou não queira, a
propaganda, no caso da vacinação, faz o cara
lembrar: pô eu tenho que levar
o meu filho para vacinar. É sábado, eu tenho que
levar o meu filho para
vacinar. Vai ter sábado de novo, hoje o comercial
estará na televisão e na
rádio para lembrar o pessoal”.
A secretária diz que quando precisa, as empresas
sempre colaboram. No entanto, fez questão de frisar que se trata de uma relação
de camaradagem muito maior que a relação financeira:
“Quando precisa sim. Até eventos culturais, a
Fundação Villa-Lobos muitas
vezes tem pedido e eles têm colocado só por conta
de apoio. Então, é aquilo
que eu estou falando, você tem uma relação de
camaradagem, independente da
financeira. Mas é lógico que uma hora a financeira
aperta e você tem que... é
a sobrevivência deles”.
Nos períodos em que as verbas públicas minguam, os
assessores de Comunicação
enfrentam dificuldades: “Quando a gente está sem,
aí fecham as portas”. As negociações, então, passam a ser feitas empresa por
empresa:
“É. Acaba tendo que ter negociações individuais e
de acordo com o que a
gente está passando. A gente teve muitas
dificuldades. Eu fico assim .... .Outro
dia o prefeito foi fazer uma coletiva e não foi
quase ninguém. Também, era
num sábado de manhã e a gente avisou em cima da
hora. Aí o prefeito falou:
Pôxa, não estão mais nem vindo às nossas coletivas.
E ele creditou isso às
questões políticas. E eu cheguei para ele e disse
que a questão não era só
política. Também tem esse lado. Eu não posso chegar
e ligar para um dono de
jornal e dizer: você não vai me mandar um repórter
para a coletiva? Eu não
posso cobrar o cara. Agora, se eu estou em dia com
a empresa eu posso dizer,
puxa, vai ser importante essa coletiva. Manda
alguém. Não deixe de mandar
ninguém. Eu vou pedir. Agora, quando eu não estou
em dia, eu não posso
cobrar. E no final eles acabaram publicando o
material que a nossa assessoria
mandou. Eles publicaram o material. Eu achei até
legal essa parte. Ele até
acabou assim voltando atrás no que ele tinha
falado”.
A Diretora responsável pelo jornal Amazonas em
Tempo, HERMENGARDA
JUNQUEIRA 167(2002), não considera esse tipo de prática aceitável em jornalismo. Ela
recorre ao exemplo do Japão para ilustrar suas conclusões. O mais curioso é
que, em meio às críticas, JUNQUEIRA revela a forma como os jornais cobram as
matérias publicadas em Manaus e diz que o Governo do Estado libera verbas para
os jornais:
“Lá. Que nenhum deles recebe um centavo para
divulgar o Governo. É
proibido. O Governo é uma instituição. O Governo e
a Monarquia
Parlamentarista, a casa, a realeza. Eles não podem
receber dinheiro do
Governo. Eles não podem. Não faz parte da cultura
deles receber dinheiro
para divulgar como a gente faz aqui. O Governo do
Estado, o Amazonino (Governador do Estado do Amazonas, Amazonino
Mendes) libera não sei quanto por mês pra mim, não sei quanto para a A Crítica
não sei quanto ta ta ta e a gente divulga e ainda manda cobrar. Recorta e manda
cobrar. Deus nos livre. Isso não existe lá”.
De acordo com HERMENGARDA JUNQUEIRA, a
concorrência, em Manaus, quando se trata da venda de jornais em bancas, é
ditada por métodos nada convencionais. Ela revelou que existe um “estilo” bem
definido de tentar neutralizar os concorrentes. JUNQUEIRA explica o que
percebeu quando o jornal Amazonas em Tempo foi lançado:
“Aí percebemos como era o estilo. O estilo era o
seguinte: nas bancas, o
jornal chegava e muitas vezes nós fomos
surpreendidos pela seguinte situação:
é o dono da banca ficava com poucos exemplares do
Amazonas em Tempo,
devolvia no dia seguinte e no momento, ele dizia
que o jornal tinha pegado
chuva, tinha...escondia o jornal. Em outras
ocasiões, o próprio vendedor de
jornal se encarregava de afugentar os nossos
vendedores. Houve casos de
registros policiais, inclusive”.
O que talvez devesse ser ditado por regras de
competição em uma concorrência leal,
descambou para o campo dos golpes baixos, só
aceitos nas atuais lutas denominadas “vale-tudo”, nas quais os competidores
podem aplicar quaisquer tipos de golpes para aniquilar os adversários. JUNQUEIRA
revela que houve briga mesmo, com registro policial e tudo:
“Houve registro de meninos que foram agredidos. É,
é. Aí nós começamos a
perceber que nós não estávamos ali com uma
concorrência saudável como os
teóricos do capitalismo sempre pregaram. Nós
estávamos diante de um
concorrente que não permitira jamais que nós, que
nós ou que outros, pelo
jeito, não sei se foi assim com os outros também,
surgíssemos. Talvez pelo fato
de que naquele momento fossemos um jornal novo,
estarmos trazendo alguma
novidade em termos de jornalismo impresso e que,
não sei, não creio que
ameaçasse, mas poderia acontecer algum tipo de
busca, até mesmo pela
curiosidade, não é que eu esteja querendo ser tão
modesta a esse ponto, mas
eu tenho a impressão que, eu não via nenhum motivo
para ameaça”.
Ao que tudo indica, o concorrente do jornal
Amazonas em Tempo sentiu-se ameaçado com a entrada de outro jornal no mercado:
“A Crítica, pelo jeito, se sentiu, eu não acho que se tenha sentido ameaçada,
ela se sentiu ofendida por alguém ter tido a coragem de montar um jornal”,
comenta JUNQUEIRA. Ainda em 1987, época em que o jornal Amazonas em Tempo foi
lançado, oferecer ao mercado um novo veículo impresso era uma ousadia. Talvez
não apenas tenha sido considerado uma ousadia, mas uma ofensa. E a reação,
segundo JUNQUEIRA, foi violenta demais:
“Foram atitudes muito violentas, de mandar bater
nos homens que vendiam o
jornal, de enxotar, enfim, de tomar o jornal dos
garotos e por aí vai. Foi nessa
base. Aí nós passamos a ter mais cuidado com isso
embora, de certa forma, a
gente tenha tido o cuidado de não, não, não se
sujeitar, não topar esse
enfrentamento. Nunca passou pela nossa cabeça esse
tipo de enfrentamento.
Nunca. Até porque nós sempre tivemos métodos muito
diferentes de fazer o
nosso trabalho. Desde o início. Como se não
bastasse a gente conhecer como
era que funcionava algumas medidas e atitudes de
jornais como esse, por
exemplo, não estou falando só aqui, porque existe
outros, em outros lugares,
havia também uma questão muito séria que era o modo
como se fazia o
jornalismo, também. Nós sempre soubemos como se
fazia determinado tipo de
jornalismo. Nós sempre soubemos disso. Nós temos,
inclusive, uma experiência
que aconteceu com o meu marido numa época em que a
situação no País
estava crítica então um belo dia nós fomos
surpreendidos”.
E complementa:
“Fomos surpreendidos por um editorial na capa do
jornal A Crítica dizendo
que a fábrica em que ele trabalha, que ele
trabalhava na época, ele trabalha
até hoje, estava em concordata. Iam pedir a
falência dela. Ora, você sabe que
quando se fala isso de uma empresa, os bancos se
fecham na hora. Vem um
editorial de capa. No rodapé da capa, que aquela
fábrica ia.(à falência)”.
MONTEIRO, Gilson.
Por um clique: o desafio
das empresas jornalísticas tradicionais no mercado da informação – Um
estudo sobre o posicionamento das empresas
jornalísticas e a prática do jornalismo em redes, em Manaus. 2002. 309p. Tese
(Doutorado em Ciências da Comunicação): Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2003.
128
JUNQUEIRA não soube informar se o editorial não se
trata de uma reação de quem já
sabia que outro concorrente entraria no mercado de
Manaus, mas sabe que o editorial deixou a fábrica em dificuldades:
Não sei. Não foi muito distante, mas aconteceu. Bem
antes. E esse editorial deixou a
fábrica em dificuldades porque os bancos
imediatamente se retraíram e o meu
marido foi obrigado a pagar uma nota, na capa do
jornal para dizer que não era
verdade, quando a Lei de Imprensa é muito clara e
diz que se tem que usar o mesmo
espaço, o mesmo tamanho, o mesmo formato, para
desmentir aquilo que você disse
e que não é verdade. E era uma mentira. Não era
verdade. Nós soubemos os
detalhes disso muitos anos depois porque a pessoa
que escreveu a nota ou o
editorial, o chamado editorial, hoje é grande amigo
nosso”.
É curioso que, quando se faz uma análise do mercado
para fins de pesquisa, na maioria
das vezes fatos como esses, determinantes para o
comportamento do mercado e da concorrência, não tenham sido revelados.
JUNQUEIRA diz que aquele período e os fatos funcionaram como um aprendizado,
uma lição de como se faz jornalismo em Manaus: “Nós sabemos que pra fazer jornalismo,
o impresso, nem só o impresso em determinados lugares, você tem também que conhecer
essas regras”.
O Superintendente da Rede Calderaro de Comunicação,
JOÃO BOSCO BEZERRA DE
ARAÚJO 168(2002) não admitiu que o jornal A Crítica possuísse qualquer tipo de
estratégia, ainda que não-convencional, de barrar a entrada dos concorrentes no
mercado de Manaus:
“Nós não temos nenhuma estratégia aprioristicamente
definida para enfrentar
qualquer concorrente existente ou por vir.
Evidentemente que, quando vem um
concorrente, a gente se esforça no sentido de não
perder o lugar que temos,
não é, de veículo líder no estado do Amazonas”.
Ele disse também que, se houve algum caso de
violência por parte dos vendedores
avulsos do jornal, a empresa não foi mentora de
nenhum deles e nunca incentivou esse tipo de atitude por parte dos seus
vendedores avulsos que, inclusive, são terceirizados. O jornal A Crítica lidera
as vendas avulsas e é considerado o jornal de maior poder político no mercado
do Amazonas ha tanto tempo que o próprio superintendente não sabe precisar: “A
liderança eu não sei te dizer há quantos anos, mas estimo que essa liderança é
de muitos e muitos anos”. Para ele, esse fato de ser o líder já funciona como
uma barreira à entrada de concorrentes no mercado:
“Isso já é
uma coisa que barra a entrada. Mas, por exemplo, o último
concorrente que entrou com o objetivo específico de
tentar tomar o lugar de A
Crítica em Manaus foi o Jornal do Norte, que
entrou, era comandado pelo
empresário Paulo Girardi, e que tinha apoio massivo
de políticos importantes
no Estado, inclusive, o governador do Estado, etc”.
Ele explica o que considera engraçado:
“Engraçado, o Paulo Girardi contou com o apoio
explícito tanto do
governador Amazonino Mendes quanto do ex-governador
Gilberto Mestrinho,
de quem ele, Paulo Girardi, é compadre e amigo.
Então, ele entrou com um
jornal, com muito dinheiro. Trouxe muita gente de
fora, Paulo Markun, Isa
Assef, um monte de gente, ganhando salários
astronômicos, e nós cuidamos de
preservar a nossa posição”.
O Jornal do Norte foi a última tentativa
empresarial de afastar o jornal A Crítica da
liderança do mercado em Manaus. A experiência durou
pouco mais de um ano. O jornal
começou a circular em 1996 e saiu de circulação em
1997:
“Exatamente. Entrou em 96 e se acabou em 97. Esse
jornal entrou muito forte,
com muito dinheiro, com um marketing pesado, mas
nós entendemos que, se a
gente conseguisse preservar a imagem que nós temos
diante da população de
jornal independente, de jornal que tem em si mesmo
o seu objetivo, ou seja,
isto aqui não é uma empresa em que o jornal seja um
apêndice”.
ARAÚJO credita a longevidade de A Crítica e a
liderança ao fato de o jornal ser a
atividade fim do grupo Calderado e o A Crítica
funcionar com carro-chefe da Rede:
O jornal é o carro-chefe. Então, por exemplo, o
Paulo Girardi era um
construtor. Um homem ligado à construção civil. Um
empresário forte da área
de Construção Civil. O jornal foi uma atividade
diletante, sei lá. Estimulado
por esses políticos e tal, não é, e que achavam que
o momento era oportuno
porque ele veio logo depois da morte do Umberto
Calderaro Filho. Então, o
que é que eles pensavam e a gente sabia disso:
morreu o Calderaro, ficou uma
filha mulher, ficou o João Bosco, que não é do
ramo, porque eu vinha da
Universidade, onde eu fui professor por mais de 30
anos. Eles achavam que a
gente não teria competência necessária para
manter”.
Ele diz que A Crítica, no caso específico do Jornal
do Norte, tratou de manter a liderança:
MONTEIRO, Gilson.
Por um clique: o desafio
das empresas jornalísticas tradicionais no mercado da informação – Um
estudo sobre o posicionamento das empresas
jornalísticas e a prática do jornalismo em redes, em Manaus. 2002. 309p. Tese
(Doutorado em Ciências da Comunicação): Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2003.
130
“Então, no caso específico do Jornal do Norte, nós
cuidamos por manter a
nossa postura, a nossa linha jornalística, a nossa
independência, e não somos
amadores, fazemos do jornal o fim da atividade
empresarial e não um ramo
diletante, um ramo acessório, como o seu Paulo
Girardi fez, como o Chico
Garcia fez com o jornal A Notícia”.
A vice-presidente da Rede Calderaro de Comunicação,
TEREZA CRISTINA
CALDERARO CORRÊA
169(2002), diz que a entrada de um
novo concorrente, à época,
funcionou como uma alavanca e deu forças para
superar a perda do dono da empresa:
“Na época, isso foi um gás para gente. O papai
tinha falecido recentemente e
aquilo foi um ânimo para a gente não ficar enlutado
por um período, empresa
familiar, com a administração muito centralizada na
mão do papai. Então,
com aquela luta do Jornal do Norte, para mim, foi
como eu me levantei. Eu
procurei centrar no produto, melhorar o produto.
Foi quando eu pensei na
reforma gráfica radical do jornal, que era tempo já
de fazer, nós já estávamos
sem reforma gráfica há 15 anos, que ninguém fica
hoje em dia sem fazer um
ajuste gráfico no jornal e aí foi a hora que eu me
movimentei. Da reforma
gráfica eu não quis ficar só numa maquiagem.
Porque, às vezes, se faz uma
reforma gráfica e se faz só uma maquiagem no
jornal, e a coisa, por si só, se
dilui. Eu aproveitei e fiz uma reforma editorial,
também”.
Ela considera que a reforma editorial talvez tenha
sido mais importante que a reforma gráfica:
“Essa é a mais importante. Nós demos uma virada no
jornal. Hoje o jornal tem
cara de jornal de grande cidade, de metrópole. Você
olha A Crítica ao lado da
Folha, de O Globo, do Correio Brasiliense, e A
Crítica tem presença, tem
porte. E é elogiada pelos grandes jornalistas do
Estadão, da Folha. Aly
Cammel se refere a A Crítica. Era editor chefe do
jornal O Globo, hoje é
editor-chefe do Fantástico, e de jornalismo do
Globo Repórter. Ele só se refere
a A Crítica como um dos jornais mais bem feitos do
País”.
O desaparecimento precoce de jornais, em Manaus,
não é fato recente e não tem em A Crítica,
como líder do mercado atual, a única explicação
para o surgimento e a morte de jornais de forma tão
rápida. A professora da Universidade do Amazonas,
MARIA LUIZA UGARTE PINHEIRO
170 (2001),
em tese defendida na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), explica:
169
CORRÊA, T. C. C. C. Tereza Cristina Calderaro Corrêa.
depoimento: [set. 2002]. Entrevistador: Gilson Vieira
Monteiro. Manaus: USP, 2002. Meia fita cassete
(30min), 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao projeto “Por um
clique...”.
170
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: letramento e periodismo no
Amazonas (1880-1920). 2001
(Doutorado) Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 2001.
MONTEIRO, Gilson.
Por um clique: o desafio
das empresas jornalísticas tradicionais no mercado da informação – Um
estudo sobre o posicionamento das empresas
jornalísticas e a prática do jornalismo em redes, em Manaus. 2002. 309p. Tese
(Doutorado em Ciências da Comunicação): Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2003.
131
“O período que se abre na década final do século
XIX, já se afigura como um
momento bastante diverso da fase inicial, mas passa
a enfrentar outros
dilemas. Na opinião de muitos jornalistas locais, o
que continuava a provocar
o desaparecimento precoce de muitos jornais, era
agora o excessivo número
de periódicos em circulação, amplificando a
concorrência frente a um público
leitor que, embora também já se mostrasse bastante
ampliado desde a década
final do século XIX, parecia não possuir dimensões
suficientes para assimilar
o conjunto dessa produção”.
Esse, certamente, é o mesmo problema enfrentado
pelas empresas jornalísticas
tradicionais em pleno século XXI. O diretor
industrial do jornal A Crítica, AROLDO
CAMINHA
171 (2002)
atribui à modernização no Distrito Industrial da Zona Franca de Manaus,
que substitui homens por máquinas, o fato de as
vendas de jornais haverem diminuído
sensivelmente em Manaus: “o Distrito, nessa época,
empregava 85 mil funcionários diretamente,
hoje não tem 25 mil”, analisa. E complementa:
“Olha, nessa época, A Crítica chegou a tirar 32
páginas de Classificados.
Tinha um caderno de 16, 12 páginas só de empregos
lá no Distrito. Todo o
mundo estava querendo ler jornal para ver quem
estava oferecendo emprego.
Hoje não tem mais isso. Acabou. Hoje o
Classificados de A Crítica, quando
muito circula com 8 páginas”.
Ele revela que quando Manaus possuía 250 mil
habitantes, em 1968, somente o jornal A
Crítica, que não era o líder circulava com 8 mil
exemplares. O jornal de maior circulação, à época era O Jornal, de propriedade
de Maria de Lourdes Archer Pinto, curiosamente, como já se destacou neste
trabalho, o berço do jornal A Crítica. Quando o Distrito Industrial gerava empregos
a pleno vapor, na década de 70, o jornal A Crítica circulava com 36 páginas de classificados.
AROLDO CAMINHA comenta:
“Isso já era em 70 e pouco, por aí assim. E A
Crítica tinha, dentro dessas 36
páginas de classificados, A Crítica tinha 8 páginas
de emprego. Então, havia uma
disputa muito grande no Distrito, para comprar
jornal, para saber quem estava
empregando. Era a rotatividade de empregos que
tinha no Distrito, na época”.
À época, o Distrito Industrial da Zona Franca de
Manaus empregava aproximadamente 85 mil pessoas, entre executivos e
funcionários do chão-de-fábrica. Com automatização da linha de produção, restaram
aproximadamente 25 mil empregos, de acordo com os dados apresentados por AROLDO
CAMINHA. Para ele, essa retração no nível de emprego é a responsável direta
pela diminuição na circulação dos jornais, em Manaus. O Jornal A Crítica, que
circulava com 36 páginas de Classificados
e dentro dessas 36 possuía 8 de empregos, hoje não
circula com nenhuma página de empregos, de acordo com CAMINHA. Aos domingos, o
caderno de Classificados foi reduzido para 16, 18 páginas.
“Quando muito, vai a 24 páginas”, revela CAMINHA.
Nos dias de semana, o caderno de Classificados de A Crítica circula com apenas
6 páginas.
7.4 O posicionamento das empresas jornalísticas de
Manaus
O foco, e como conseqüência o posicionamento,
sempre foi um problema ao longo da história do jornalismo de Manaus. No
jornalismo contemporâneo, o problema persiste. O Superintendente da Rede
Calderaro de Comunicação, que edita o jornal A Crítica, JOÃO BOSCO BEZERRA DE ARAÚJO,
comenta: “Como nós não fazemos especificamente um jornal popularesco, predomina
na nossa massa de leitores, as classes A, B, com penetração em C, D e E”.
A vice-presidente da Rede Calderaro de Comunicação,
TEREZA CRISTINA
CALDERARO CORRÊA revela que houve uma mudança
gráfica e editorial em A Crítica, baseada em pesquisas, a fim de aprimorar o
foco do jornal:
“Foi tudo calçado com pesquisas. Nós contratamos a
Vox Mercado, depois a
Olgen Olsen, que é o maior pesquisador de mercado
do País. Ele trabalhou
para a reforma do Correio Brasiliense, ele
trabalhou para a reforma de O
Globo. Ele trabalha, basicamente, para os veículos.
Nós gastamos muito mais
em pesquisa do que mesmo no projeto editorial, de
reforma editorial e de
reforma gráfica. Tudo foi com base em pesquisa”.
ARAÚJO assegurou que, tanto na questão do foco
empresarial quanto do foco editorial,
os movimentos da concorrência não mudam o foco do
jornal, mas ele nega que o jornal seja destinado apenas às classes A e B: “Ele
não é exclusivamente centrado nas classes A e B. Mas nos interessa preservar o
domínio que nós temos nas camadas formadoras de opinião. Então, nós não fazemos
um jornal como o Diário do Amazonas”.
No caso do jornal Amazonas em Tempo, sua diretora
responsável, jornalista HERMENGARDA JUNQUEIRA, considera a empresa responsável
por várias mudanças no perfil do mercado de jornais, em Manaus:
“Eu
considero a criação do Amazonas em Tempo vitoriosa em muitos aspectos.
Primeiro lugar, o mercado profissional na época,
não existia. Ele era concentrado
no jornal A Crítica, alguma coisa que vinha, que
ficava, no jornal A Notícia, que
existia também na época, Jornal do Comércio, mas
que nunca saíram para uma
briga. Pelo menos A Notícia, num período sim,
depois não”.
E complementa:
“O outro aspecto que eu considero vitorioso é que
ele trouxe sim. Ele trouxe
uma experiência moderna, visual, gráfico-visual e
implantou essa mudança.
Ele disse que era possível fazer, mostrou que era
possível fazer, embora,
depois disso nós tenhamos, você já sabe o final. No
momento não existia, pelo
menos naquele momento, não existia em termos de
jornal, segmentação. A
segmentação por editorias era uma coisa muito
confusa. Os jornais eram um
corpo só, onde distribuíam, naquele corpo, todos os
setores da notícia:
misturava-se política com economia, cidade com
geral, ou seja, o jornal um
corpo só. O Amazonas em Tempo trouxe, pela primeira
vez, a segmentação.
Ele veio com a criação de um caderno de cultura
isolado, com uma editoria de
economia isolada, com, enfim, isso aí eu acho um
ganho muito positivo basta
você consultar os jornais da época para ver”.
Na fase moderna, após a reforma gráfica e
editorial, o jornal Diário do Amazonas não
apresenta dúvidas quanto ao posicionamento. Seu
vice-presidente executivo, FRANCISCO CIRILO ANUNCIAÇÃO NETO, é taxativo: “O
nosso público-alvo, como todas as pesquisas apontavam, para o lançamento do
jornal, eram as classes C, D e E”.
O diretor-presidente do Jornal do Commercio,
jornalista GUILHERME ALUÍZIO DE
OLIVEIRA SILVA, revela que foi obrigado a mudar o
foco do jornal em função de pressões políticas:
“Perseguição política. Perseguição política. Há
uma...se você enfrenta o
Governo, você tem a antipatia do Governo. E, ou
pode fazer uma coisa que é
indigesta, que é alinhar o seu veículo a uma
política. Então, eu não me alinhei.
Não me alinhei e tive efeitos danosos na minha vida
empresarial. Não é só de
jornal não. O Jornal não foi atingido. Foi atingido
indiretamente. Os outros
negócios é que foram atingidos. Porque nós não
fazíamos oposição ao
Governo, nós fazíamos um jornal independente. Nós
fizemos o colarinho verde,
da Suframa, nós fizemos o Escândalo de Sefaz, que
foi aquele escândalo da
Procuradoria da Fazenda do Estado, que acabaram com
a Procuradoria
tamanho era o número de irregularidades praticadas
lá”.
Em 1987, fase relatada por SILVA, o Jornal do
Commercio brigava pela liderança em
vendas como Jornal A Crítica. Depois das sanções
impostas ao jornal e às empresas da família, SILVA preferiu mudar o foco da
empresa jornalística: “Então, eu prefiro hoje fazer esse jornalismo segmentado,
projetando principalmente a economia do meu Estado, a estar envolvido nisso. É
muito alto o preço. É muito alto o preço”. Ele foi taxativo ao concluir: “Eu
duvido muito que um jornal que não negocia a sua verdade, sobreviva”.
SILVA, que também é presidente do Sindicato das
Empresas Jornalísticas (SINEJA) diz
que essa não é uma característica apenas do mercado
do Amazonas ou do mercado de Manaus:
“É do Brasil, do Brasil. Hoje o Jornal do Comércio,
se o Governo mandar
matéria paga, qualquer coisa, ótimo. Se não mandar.
Mas se amanhã sair uma
notícia que a Sefaz fez isso, aquilo, o Secretário
da Agecom não vai telefonar
para censurar o jornal. Nós ficamos independentes
de Governo, de Prefeitura.
Durante a campanha Política para a Prefeitura nós
publicamos uma enquete,
uma pesquisa que encomendamos, que não foi
agradável para o prefeito que
venceu, que é este (Alfredo Nascimento, prefeito
municipal de Manaus). Desde
então ele resolveu que não publica um edital no nosso
jornal. Não publica
nenhum. Coisa mesquinha, tacanha”.
Ele disse ficar satisfeito em não ser convidado
para participar de alguns “negócios” do
jornalismo de Manaus. E conta um fato “curioso”
para reforçar a imagem de idoneidade dele e da empresa Jornal do Commercio:
“E eu fico muito satisfeito. Outro dia eu falando
com o Amazonino (Amazonino
Mendes, Governador do Amazonas), o Bosco (João
Bosco Bezerra de Araújo,
Superintendente da Rede Calderaro de Comunicação) e
a Cristina (Tereza Cristina
Calderaro Corrêa, Vice-presidente da Rede Calderaro
de Comunicação) ficaram
muito chateados com um negócio que o Amazonino fez
com o Diário do Amazonas.
A Crítica de vez em quando batia no governo dele e
tal e ele se chateava, precisava
de um veículo que o defendesse. Então fez um
negócio lá com o Diário do
Amazonas e A Crítica ficou chateada. Fez o
comentário e eu transmiti a ele o
comentário. Ele diz: rapaz, fiz porque são uns
loucos, eles vêm aqui, precisam de
dinheiro, eu vou e pago, no dia seguinte me dão
traulitadas pra tudo que é lado. Eu
preciso ter uma coisa desse jeito. Pensei em ti.
Mas tu não te prestarias para esse
serviço que eu queria. Então eu fiz com o Diário do
Amazonas. Eu digo: puxa vida,
muito obrigado. Você sempre vai contar com o meu
apoio. Não encontrou em mim
a pessoa que ele queria. Graças a Deus”.
O “atrelamento” dos jornais de Manaus ao poder,
revelado pelo presidente do Sindicato das Empresas de Jornais (SINEJA) talvez
seja a base das relações de troca. São essas as bases das empresas jornalísticas
tradicionais de Manaus que norteiam a concorrência na Internet. E, como se verá
a seguir, possivelmente, o funcionamento desse mercado tradicional de mídia, em
Manaus, provoque uma miopia, um erro de foco grave que, ao longo dos anos, pode
tirar as empresas jornalísticas tradicionais de Manaus da disputa pelo Mercado
da Informação até da própria região.
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