Era o ano de 1988, eu havia acabado de entrar na faculdade, passado para o curso de engenharia elétrica. Punk histórico e roqueiro por vocação, nem queria saber de outros ritmos que não fossem o rock pesado. Se bem que já havia tocado na bateria da Mocidade Independente de Aparecida, do mesmo bairro onde eu fui criado aqui em Manaus.
Mas recebi o convite para a inauguração do Bumbódromo, em Parintins. Já não era muito fã e soube que era uma obra do Amazonino Mendes. Mas fui assim mesmo. A viagem de barco já foi uma prévia do que seria a festa! Toada do começo ao fim e os corpos desnudos em um bailado ao qual eu não estava acosumado, não sei se por causa do balanço do barco. Aquele banzeiro me fazendo ficar mais tonto do que a cerveja. Ou seria o gingado das cadeiras das cunhãs?
Chegar lá em Parintins foi outro choque porque a cidade respira o festival. Para mim foi algo inusitado. E encarei com naturalidade porque não sou de ter nenhum tipo de preconceito. Tivemos que ir m,ais cedo, porque eu queria sentir o clima da festa. Já havia ido ao carnaval no Rio de Janeiro e imaginei que seria mais ou menos a mesma coisa.
Mas depois me toquei e pensei que seria algo mais tedioso, monótono mesmo, até porque eram apenas os dois bois, e não várias escolas de samba. Retrato aqui a ignorância da maioria das pessoas que iam lá pela primeira vez, porque nessa época não tinha transmissão ao vivo para Manaus e, menos ainda, para o resto do país e do mundo. Fiquei no meio da galera do Garantido por fora levado por torcedores.
Mas foi quando entrou o Caprichoso na arena que eu vi a grandiosidade daquela festa. É algo muito maior, mais bonito e que não tem nada de monocromático como se poderia supor. É muita cor, luxo, espetáculo cênico feito por pessoas que normalmente ninguém daria nada. Pensei: esse é o boi. Duvido muito que o outro venha melhor.
Quando entrou o Garantido, percussionista que eu sou, percebi a diferença na batida, surda, sem a segunda batida no tambor que mais tarde eu soube ser chamado de Treme Terra. Não à toa! Aquele som foi me tomando, me fazendo gingar no mesmo ritmo e não era apenas porque eu estava no meio da galera. Quando eu me dei conta, estava aos prantos. Chorava copiosamente. Parei um pouco e senti brevemente por pensar estar pagando um king kong. Criei coragem e olhei para um lado e vi a catarse que estava ao meu lado direito, com dezenas pessoas também chorando. Me virei para o outro lado e vi mais dezenas de pessoas chorando e me senti em casa, como se fosse uma família feliz.
Pensei já ter vivido muitas coisas, mas aquela sensação de ter sido escolhido foi algo excepcional e que me arrepia mesmo quando, como hoje, assisto pela televisão o Garantido adentrar a arena e levar o público ao delírio, até mesmo a galera do contrário, como aconteceu em 97.
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