A liberação do uso da maconha é um tema que vem sendo discutido há pelo menos 40 anos e cresceu muito o debate nos últimos 15 anos. No entanto pouca coisa de prática foi feito para sequer equacionar a questão. O álcool, por exemplo, que é uma droga lícita, é a verdadeira porta de entrada e no entanto, permite-se não apenas a comercialização, mas é fartamente divulgado em campanhas publicitárias. Mais do que ser contra ou a favor, é preciso estar aberto à discussão do assunto. Então vejamos os vários aspectos do debate.
Ao se propor que a maconha seja comercializada para uso medicinal, é preciso que se crie uma estrutura de fiscalização para que haja um controle efetivo e permanente. E, no Brasil, infelizmente, é muito raro algum órgão fiscalizador funcionar. Nos anos 80, a maconha passou a ter largo uso medicinal nos Estados Unidos sobretudo no tratamento da AIDS, para que as pessoas se alimentassem. Mas lá foram estabelecidos critérios para a plantação, comercialização, cadastro das pessoas que são atendidas, com suas respectivas fichas médicas.
Não há casos registrados de nenhum caso de morte por overdose de maconha. Também não se pade dizer que uma pessoa fuma maconha para roubar, matar, estuprar ou cometer qualquer tipo de ato ilícito. Maconha, a exemplo de outras drogas lícitas ou ilícitas, apenas liberam as amarras internas do indivíduo. Se uma pessoa quer cometer uma infração, pode fazer isso de cara limpa ou não. O que há é um falso moralismo em torno da maconha. Como se não fosse sobre o efeito do álcool que os atos infracionais são cometidos.
Há de se ponderar também o fato de pessoas que usam maconha de forma recreativa ou são usuárias e jamais cometeram uma infração de trânsito sequer. E quem é contra pode dizer: é como começa. Mas não é marginalizando essas pessoas que se chega a uma solução. São vários aspectos e parâmetros a serem considerados. Não é um debate simples.
O aspecto sócio-cultural é outro a ser ponderado, ainda que em menor escala, pois apenas se enontra isso em municípios do interior de estados da Amazônia Brasileira. Em algumas culturas o uso da maconha, ou de outros alucinógenos como o ayahuasca e até mesmo o epadu (de onde se extrai a cocaína), são usados de forma ritual ou para atenuar efeitos da labuta no meio da floresta.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pegou carona de outros presidentes e disse que a luta contra as drogas é uma guerra perdida. E disse que não declarou isso quando era presidente porque não tinha essa consciência à época e acreditava que a repressão era o melhor caminho. Que raios de sociólogo é esse que não pensa nas questões que são visíveis até para o mais leigo dos cidadãos?
A reboque da maconha, na verdade, vai a cocaína, o crack e mais recentemente o oxi. Sempre defendi que para combater droga, a melhor e mais eficiente arma é o conhecimento. Oxi nada mais é que uma corruptela por ignorância, de dióxido, que é a base da cocaína e do crack. É do dióxido que se extrai o crack e a coca e é isso que o torna mais barato. Ora, se eu sei disso, porque as polícias não sabem? Não vou fazer que nem os grandes meios de comunicação que deram aula para quem nem sabia de como fazer esses derivados.
São drogas que levam a um grau de dependência química de níveis mais elevados que a maconha pelo menos vinte vezes maior, isso nos remete a uma discussão maior ainda: combate à droga é uma questão de saúde pública. Se o Brasil adotar os procedimentos que são usados nos Estados Unidos sobre uso medicinal da maconha, e na Holanda, sobre venda e uso de maconha, bem como distribuição de seringas e demais apetrechos para o uso de drogas injetáveis, poderá dar um avanço muito grande no setor.
Na Holanda, como nos Estados Unidos, os impostos arrecadados são revertidos para programa de recuperação de dependentes químicos. Mas devemos lembrar que o nível de corrupção no país, infelizmente é muito grande e o próprio governo não dá o menor exemplo no uso dos recursos que são destinados à suas devidas rubricas. Basta lembrar o uso dos recursos gerados pela Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF). Isso porque, caso seja regulamentado a produção e comercialização da maconha, defendo que os impostos gerados sejam utilizados
in totum para a criação de clínicas para tratamento de dependentes químicos.
Na semana passada, o Rio de Janeiro deu um passo importante no tratamento aos dependentes químicos: com uma canetada decidiu recolher os usuários que ficam nas crackolândias. Só esqueceu de se preparar para isso e, daqui a poucas semanas, já poderá enfrentar um problema sério: onde colocar essas pessoas e quem irá tratá-las, já que mal possui médicos suficientes para atender as emergências? Infelizmente, isso é outro mau hábito dos governantes brasileiros, em qualquer esfera: pensam que com uma canetada resolvem os problemas. Esqueceram que o viciado tem que querer ser ajudado também.
Isso me lembra quando o presidente Collor resolveu abrir as importações e quebrou diversos setores. Helmutt Kohl, premiê alemão, reuniu o setor industrial e perguntou quanto tempo eles precisavam para se preparar para a concorrência: dois anos foi a resposta. No Brasil, poderiam seguir esse exemplo e ir um pouco mais além. Poderiam abrir uma discussão com a sociedade, setores técnicos e, fundamentalmente, realizar pesquisas sobre os efeitos das drogas. Sem dados é impossível fazer diagnóstiscos precisos sobre as melhores formas de combater as drogas mais pesadas ou pelo menos atenuar os seus efeitos sobre a sociedade.
Antes de se pensar em legalizar, liberar, descriminalizar ou regulamentar o uso da maconha, é preciso que haja uma discussão ampla, não aquelas audiências públicas de enganação que são feitas apenas como jogo de cena e de cartas marcadas, mas uma discussão plena ouvindo não apenas quem defende ou que é contra, mas ter base científica, inclusive econômica, do que deve ser feito nesse caso.