Passada a comoção pela perda de Ana Luiza, é bom refletirmos sobre as lições que ela nos deixa. Foi uma guerreira, motivou campanhas por todo o Brasil, deu-nos a oportunidade de mostrar que, mesmo em tempos de individualidade extrema, abriu nossos corações para a solidariedade, nos mostrou o quanto temos que evoluir na questão de atendimento médico especializado.
Ouvindo a Carolina Varella durante o velório de Ana Luiza, me chamou a atenção para uma frase: "Sei que a missão dela terminou e a minha começa agora porque não é possível que, em uma região rica como a nossa, tenhamos a necessidade de sair daqui para ter um atendimento decente. E nisso nos igualamos, ricos e pobres, no sofrimento que é estar longe da família e dos amigos, no combate de uma doença dessas". Carolina deixou claro que não lhe faltou nada, mas que ela viu as piores coisas do mundo quando aconteceu sua cruzada no acompanhamento a Ana Luiza.
A bem da verdade Carol já havia mostrado um pouco dessa dura realidade em um post no blog do Ismael Neto, que foi retirado a pedido dos pais por motivos religiosos. Felizmente o menino não tinha câncer, mas mostrou o quanto é duro para uma pessoa comum, que não tem influência, ou como dizem por aqui, "conhecimento". Não deveria ser assim.
Conversando com algumas pessoas que já passaram por essa via crucis, ouvi muitas histórias de como é difícil conseguir atendimento em Manaus e não deve ser diferente em outros estados país afora: pelejam para conseguir um exame e, quando conseguem, é para dois ou três meses depois, quando provavelmente a luta já estará perdida. Quantas vidas mais será preciso perder para entendermos que precisamos ter cenros de referência em todos os estados?
Nada contra São Paulo, mas a maior cidade da América Latina já tem seus próprios problemas e poderia ser poupada de ainda absorver os do restante do país. Não é justo que pessoas com mais recursos tenham um melhor tratamento enquanto dezenas de outros brasileiros não tenham o mesmo. E olha que isso é um direito constitucional. Está lá escrito na Carta Magna do país que todos são iguais e merecem o mesmo tratamento. O que há de errado é que nos acomodamos, nos conformamos em aceitar as migalhas quando devemos lutar por um direito líquido e certo previsto em lei.
O que nós, aqui do Amazonas, e você aí em seu estado, devemos fazer é lutar para que os hospitais especializados em câncer ou doenças crônicas, sejam não apenas melhor equipados, mas também tenham seu atendimento humanizado. Aqui na Fundação Centro de Oncologia (FCecon), zona Centro-Oeste, quando você vai ser atendido, parece que os funcionários estão lhe fazendo um favor. É inadmissível que tenha um tratamento que nem animal recebe. No Instituto de Medicina Tropical, a menos de dois Km da FCecon, bem como no Chapot Privot, no Purarequara, zona Leste de Manaus, o atendimento é exemplar, mais humano.
Não é apenas querer que o hospital tenha um bom atendimento. Mas é também estar perto de amigos e familiares. Doenças como o câncer já são danosas demais para que sejamos privados da possibilidade de receber visitas.
E não adianta virem os defensores das causas governistas me dizer que o governador e a primeira-dama ajudaram anonimamente porque garantir atendimento fora do domicílio é dever do estado! E deve ser feito! Quer dizer, porque a repercussão do caso da Ana Luiza tomou dimensões nacional, deram apoio? E aos outros que sequer tiveram a oportunidade de fazer um exame decente aqui em Manaus? E os que são mal atendidos na cidade? Por que não investir em equipamentos e na capacitação de médicos e funcionários dos hospitais já existentes?
Manaus, uma metrópole de dois milhões de habitantes não pode continuar com mentalidade provinciana. Sua história não pode ser jogada na lata do lixo por mero capricho de seus governantes. A cidade que primeiro teve iluminação pública no país; que primeiro libertou seus escravos quatro anos da princesa Isabel assinar a lei Áurea; que foi a primeira a ter um cabo transcontinental se ligando a Londres; que primeiro teve uma greve no país, não pode ter um atendimento médico de baixa qualidade.
E você, de outro estado, que passou ou conhece alguém que passou pelo mesmo drama faça uma campanha para que o hospital do câncer, de atendimento renal, ou outro de maior necessidade, seja melhor equipado e tenha um atendimento mais humanizado. Por aqui vamos começar a fazer um abaixo-assinado e fazer ações junto a parlamentares para que aconteça. Faça o mesmo você também!